01/10/2018

[Resenha] Escravo da ilusão | Ana Cristina Vargas

Escravo da ilusão

Autor(a): Ana Cristina Vargas
Editora: Vida & Consciência (selo Redentor)
Páginas: 352
Resenha por: Viviane
Avaliação: 4/5
Compre: Americanas / Editora

*Livro cedido pela editora para resenha


Sinopse: A vida escreve certo por linhas tortas, e talvez por isso nem sempre conseguimos ler suas lições com facilidade. As linhas tortas, por sua vez, são as ilusões que nos impedem a visão e a evolução espiritual.

Ambientado no século 19, este livro traz a história de João de Deus, um homem que foi tirado de sua terra para ser escravizado, e de Nina, a neta de ideias revolucionárias de um poderoso barão — duas pessoas cujos caminhos remotamente se cruzariam, mas que, juntas, operam mudanças em si mesmas e na realidade que as cerca. Uma narrativa emocionante, que demonstra o poder transformador do amor verdadeiro ante as ilusões do mundo.

Resenha: Esta história se passa em torno de 1845, no auge do tráfico de escravos negros trazidos para nosso país. João era um guerreiro angolano que fora capturado por tribos inimigas e vendido como escravo para o Brasil.

A viagem pelo mar durava meses, e só o mais fortes sobreviviam, por isso os porões dos navios saiam do continente africano abarrotados de "mercadorias". Os negros que morriam iam sendo jogados no mar, bem como os recém nascidos, que não teriam serventia para os compradores de escravos. Ao chegarem no Brasil os negros ficavam de quarentena, em porões no porto, com água quase na cintura, o que os impossibilitava de sentar, deitar ou dormir. Após estes quarenta dias só os mais fortes resistiriam e seriam levados para fazendas de plantações no norte do país.

João, como fora batizado pela esposa do fazendeiro, vivia um tanto isolado, por não conhecer a língua e por ser um rebelde. Após algum tempo vivendo em uma fazenda, viu que não seria fácil, já que as agressões e maus tratos não tinham limites, tudo isso aliado a poucas horas de sono e alimentação insuficiente.

Com o tempo João passou a comunicar-se com os outros cativos e começou a arquitetar uma fuga, após saber de um quilombo nas imediações da fazenda. Com tudo planejado, chega o dia da tão sonhada liberdade, mas nada sai como planejado; das dezenas de escravos que fugiram, praticamente todos foram capturados e submetidos às piores agressões físicas, inclusive João, que depois de passar dias sendo açoitado, amarrado ao sol, sem água ou comida, ainda seria vendido para o pior lugar que um escravo possa ser mandado, as charqueadas no sul do Brasil.

Falando um pouco de história, sempre tive orgulho da nossa (sou gaúcha). A época das charqueadas, a Revolução Farroupilha, que foi nossa luta contra o império devido aos altos impostos cobrados na venda do nosso charque, mas lendo esta parte do livro confesso que senti um pouco de vergonha pelo sangue negro derramado em prol das riquezas dos charqueadores.

A primeira dificuldade de João ao chegar no sul foi o frio. Era um grupo de uns cinco escravos, todos apenas com uma calça velha rasgada. Os negros chegaram na charqueada, após dias em uma carreta, todos encolhidos e muito próximos uns aos outros devido ao frio congelante do nosso estado.

Para surpresa de João, foram recepcionados por uma menina, de não mais que três anos, que era a neta do charqueador, chamada Nina, que se compadeceu da situação dos homens e correu para buscar-lhes agasalho, ponchos, na verdade. Imediatamente João sentiu um amor que não sabia como explicar pela garotinha, parecendo até coisa de outras vidas.

"João sentiu uma inexplicável alegria ao ver aquela criança de pouco mais de três anos de idade. Encontrara seu anjo bom, e a vida selava novos rumos ao seu coração nas fria terras do sul."

A vida de escravo nas charqueadas não era fácil, muitos morriam, se não por tuberculose ou pneumonia, pela "praga do sal", pois o charque é feito com sal e os ferimentos provocados penetravam até os ossos dos trabalhadores, fazendo com que fossem logo assassinados, pois já que não dariam mais lucro, então que não dessem mais despesas. Porém em 1850, com a lei Eusébio de Queirós, foi proibido o tráfico negreiro e os fazendeiros tiveram que começar a tratar seus negros, pelo fato de a mão de obra estar ficando escassa. Foi nessa época que João teve a "praga do sal" e com ajuda das negras da fazenda e da sinhazinha Nina, que já era maiorzinha, João curou-se e passou a ficar mais próximo da residência do fazendeiro, já que ficara com sequelas e não podia mais com o trabalho pesado.

Mais tarde um surto de cólera começou a dizimar a população negra que vivia em tão precárias condições. Nina, a neta do charqueador, começou a ter febre e João desesperou-se. A ama de leite da menina morrera da doença e o escravo temia que a garotinha tivesse o mesmo fim, então ele enfrentou o avô da garota e cuidou dela todas as noites até ela ficar boa. Não dá para dizer que o fazendeiro aceitou, mas sentia que sua neta estava segura na presença do negro e então concordou com a proximidade do escravo.

"Naquela terra, lado a lado, conviviam a riqueza e a miséria, a ternura e o endurecimento dos corações, a confiança e a vilania, a paz e a violência. Tão intimo era esse contato que se tornava difícil precisar os limites."

Nina cresceu, suas ideias abolicionistas se fortaleceram e João passou a ser seu fiel escudeiro na luta pela libertação dos escravos. Fora prometida em casamento ao filho de um político da capital, mas descobre o amor em outro jovem, um médico local, de ideais como os seus. Seu avô, que antes parecia irredutível em suas decisões, muda pelo amor que tem à sua neta, aliás vamos entender também porque o avô de Nina era tão amargurado e parecia descontar nos escravos e acompanhar a mudança em suas atitudes devido ao amor devotado à neta, que, mesmo tendo pais, foi criada como filha pelo velho senhor.

"Escravo da ilusão" é um livro que, além de nos trazer muitos ensinamentos espirituais, também nos traz conhecimentos históricos, pois relata em detalhes uma época da qual devemos nos envergonhar muito, principalmente porque a época da escravidão passou, mas os pensamentos retrógrados e racistas ainda existem e, infelizmente, estão bem vivos em nossa sociedade.

14 comentários:

  1. Que resenha maravilhosa. Não conhecia esse livro! Mas amo fatos históricos e conhecer detalhes (mesmo que na ficção) de uma época tão violenta e injusta =/. E é triste pensar que é um assunto que não ficou lá no passado, ainda existe e está presente na sociedade.

    Sai da Minha Lente

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  2. Olá,
    Que resenha maravilhosa, estou bem curiosa não conhecia esse livro e me deixou intrigada para saber mais desse livro. E do protagonista não li nenhum com essa temática e vou procurar mais sobre esse livro dica anotada

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  3. oii tudo bem ?
    amei a resenha não conhecia a obra mais acabei ficando intrigada não tive a oportunidade de ler nada desse tipo, achei o tema abordado muito importante de uma época tensa mais que graças a Deus passou , outro ponto que achei interessante foi o ponto histórico quero muito conhecer . Obrigado pela dica

    Bjs

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  4. Oi Vivi, sua linda, tudo bem?
    Quando eu estudei sobre a escravidão, fiquei chocada ao descobrir que quem começou tudo foram eles próprios, foi o africano que escravizou o africano. É sempre aquela velha máxima, do mais forte subjugando o mais fraco. Já vi alguns filmes também que me assustaram, lá tem muita guerra de tribos, é muito violento, é desumana a forma como as pessoas são tratadas. É inadmissível que um ser humano seja escravizado por sua própria espécie ou por qualquer outra também. Essa é uma das piores manchas negras que a humanidade carrega e o pior como você mesma concluiu, ainda persiste. Adorei sua resenha!!!!
    beijinhos.
    cila.

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  5. Olá,
    Eu sempre fico com um certo receio com livros que tratam de escravidão, geralmente os livros traz uma romantização que não existia nem um pouco na época. Mas claro, não li este então não sei se é assim ou não, porem não me interessa muito.

    Debyh
    Eu Insisto

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  6. Nossa, que resenha maravilhosa, que livro maravilhoso!
    Eu ainda não conhecia essa obra e sou muito grata por ter visto a resenha dele aqui, é um livro que já me interessou muito e os seus comentários sobre ele me animaram para a leitura.

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  7. Oi Viviane,
    Você me tocou com seu texto, me fez lembrar de cenas de documentários que assisti e de alguns filmes também. A gente não acredita que isso aconteceu e que ainda acontece. É tão desumano! Parabéns pela resenha!
    Bjs.
    Pri.

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  8. Oi, Viviane!
    Não conhecia o livro e fiquei apaixonada pela tua resenha. Gosto de livros que retratam um pouco da nossa história. Triste apenas o fato de ter sido uma época difícil para os negros, e mais triste ainda por alguns preconceitos existirem até hoje.
    Pelo que entendi, o livro tem algo sobre vidas passadas, não sei se é impressão minha. Já li alguns romances espirituais e gostei bastante.
    Parabéns pela resenha, dica mais que anotada.
    Beijo

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  9. 'confesso que senti um pouco de vergonha pelo sangue negro derramado em prol das riquezas dos charqueadores.' concordo com você, motivo de vergonha,muita vergonha.Também concordo com você sobre o pensamento racista, existe e muito forte no Brasil, aliado a força fascista, tenho medo. esse livro parece ótimo, vou procurar para ler.

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  10. Oie, tudo bem? Só de ler a sua resenha fiquei com um apertinho no peito, ler coisas relacionadas a pautas raciais e sobre o passado do negro em nosso país, sempre me emociona bastante, creio que com essa história nao seria diferente. Ainda nao tinha conhecimento dessa obra mas vou fazer de tudo para adquiri-la o quanto antes!

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  11. Olá, Vivi! Tudo bem com você? Eu amo livros que falam sobre diferenças raciais, histórias com fatos reais e biografias de pessoas que fizeram algo importante para a sociedade! E ainda não conhecia essa história mas, apenas lendo a sua resenha percebi que o livro é fantástico, triste e emocionante.

    Como mulher negra, eu espero que algum dia possamos viver em igualdade racial! Onde brancos, negros e índios serão tratados da mesma maneira, sem diferença. Eu fico feliz quando leio textos como o seu, porque sei que ainda existe esperança para o mundo.

    Obrigada pela dica Vivi, com certeza estarei realizando a leitura desse livro o mais breve possível!

    Beijos e Abraços Vivi
    Resenhas da Viviane

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  12. Sua resenha me transmitiu a sensação de ser uma leitura bem densa e reflexiva e confesso que não é um tipo de leitura que eu procure agora, ou que faça meu perfil, mas gostei de saber sua opinião sobre ele, parabéns pelo seu trabalho meu bem.

    Beijos

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  13. Ola,ja li esse livro em 2002 e me emocionei muito com a trajetoria e sofrimento causadopela escravidão.A refexao q ele me trouxe carrego comigo nos dias de hoje.Recomendo essa leitura p q muitos venham refletir nos percalços da vida.

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  14. Excelente resenha, já li esse livro e, para quem mora como eu onde os fatos aconteceram sabe que os fatos históricos são literalmente verdadeiros,o pior tipo de escravidão foi aqui em Pelotas RS onde vivo, época em que milhares de animais eram sacrificados para o comércio do charque, nos meses de abate as águas do Arroio Pelotas eram rubras do sangue do gado e, os escravos trabalhando no meio do sal tinham as carnes dilaceradas.Temos muitos prédios históricos tombados tudo construído pelos escravos, Pelotas conhecida como a princesa dos pampas, rica, onde os charqueadores mandavam seus filhos estudarem em Paris deve tudo isso ao sacrifício dos animais e dos negros. Triste nódoa em nossa história

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