23/09/2020

[Textualizando] Luz no fim do túnel

Olá, livreiras e livreiros! Tudo bem com vocês? Hoje vim trazer para vocês um conto de uma escritora maravilhosa, mais conhecida como minha mãe, haha. O conto foi publicado no livro "Quando a escuridão bate à porta", e como agora os direitos autorais não são mais da editora, resolvemos publicar ele aqui para vocês. Já indico que preparem os lencinhos, pois irão precisar. Vamos lá?

Luz no fim do túnel

Acordei num susto. Talvez a janela tivesse batido com o vento, talvez fosse só o meu coração, acelerado após mais um pesadelo.

Não sei que horas são ou que dia é hoje, há dias que não sei do clima e como está o tempo lá fora.

Sento na cama, minha cabeça lateja. Ao levar as mãos até ela, sinto os cabelos sujos; não sei há quanto tempo não tomo banho. Ao olhar para o lado, vejo um reflexo no espelho do guarda-roupas; não reconheço aquela imagem. Sei que sou eu, mas não sou mais nem a sombra do que já fui.

O telefone toca, nem me viro para ver quem é, apesar de imaginar. Atiro-me de volta na cama e durmo. Durmo por não sei quanto tempo e acordo com a campainha tocando. Não tenho forças para levantar, e não é fraqueza, pois a única coisa que faço, além de dormir, é comer, comer muito, tudo o que vejo pela frente. É só mandar uma mensagem para o mercadinho da esquina que alguém entrega, a pessoa larga as compras na porta e jogo o dinheiro por baixo dela, não falo com ninguém, não quero ver ninguém. Não sei o que farei quando o dinheiro acabar e eu tiver que ir até o banco buscar mais.

Volto a olhar para o espelho. Sinto raiva do que vejo. Pego o celular e penso em jogar nele e quebrá-lo, mas preciso do meu aparelho. As forças me faltam, minha visão embaça, percebo que são minhas lágrimas rolando. Porque me sinto assim? Porque sofro tanto? De onde vem esta dor tão íntima e profunda?

Até poucos meses, eu me sentia bem, sempre tive tudo o que quis, até mais do que precisei, mas de uns tempos para cá me sinto triste, diminuída, deprimida. Sempre fui uma mulher bonita, pelo menos eu achava, e sei que era, porque era paquerada na rua, arrancava assovio dos rapazes. Porém um dia acordei, me olhei no espelho e achei meu cabelo feio, minha pele envelhecida, as roupas um pouco apertadas, e fui me isolando, ficando mais caseira, mais introspectiva, participando cada vez menos dos eventos sociais, falando cada vez menos com os amigos e, por último, me afastando da minha família, pois não acho justo levar meu baixo astral para as pessoas.

Volto a dormir, é só o que me resta. Deito e penso: Será que alguém sente minha falta? Será que alguém notaria se eu sumisse de vez? Acho que não.

E assim tenho passado meus dias: dormindo, comendo, chorando.

Decido não me levantar mais para comer, afinal, meu dinheiro acabou e não vou sair para buscar, e se eu pedir ajuda, tenho que falar com alguém, ver alguém, e isso eu não quero de jeito nenhum.

É isso! Vou só dormir. Isso se o celular e a campainha pararem de tocar.

Chega uma mensagem:

Oi filha, o que houve que tu não me atende nem no celular e nem a porta? O que está acontecendo com você? Por favor, fala comigo! Está precisando de algo? Está bem? Por favor, estou ficando desesperada com esta falta de contato. Liguei no teu serviço e disseram que tu sumiu há um mês. Por favor, filha, eu quero te ajudar, mas me diz como. Te amo! Me liga.

Choro copiosamente após ler. Eu não consigo ligar, não consigo responder a mensagem, não sei por quê. Não sei por que dói tanto, não sei de onde vem essa dor, essa angústia. Eu preciso de ajuda, mas não sei pedir, não consigo pedir.

Então eu choro, choro e durmo.

Acordo com um estrondo, não consigo levantar minha cabeça, desta vez é fraqueza, já perdi a conta de quantos dias faz que não como. Ouço vozes:

- Por aqui, ela deve estar no quarto.

Reconheço a voz da minha mãe, mas não consigo abrir os olhos, tampouco falar; estou muito fraca, meu corpo e minha cabeça doem. Perco os sentidos.

Acordo em um quarto muito simples, limpo e arejado. Meu primeiro pensamento é que morri e estou no céu.

Uma voz chama meu nome:

- Vivian, acordou? Graças a Deus! Eu estava tão preocupada, que susto tu nos deu.

- Mãe! O que tu faz aqui? Onde eu estou? O que aconteceu?

- Tu estás no hospital, minha querida. Estava desnutrida, agora já está melhor. Dormiu durante alguns dias, mas já está tudo bem. Daqui, tu vais passar uma temporada em uma clínica bem bonita, uma espécie de hotel fazenda.

Sento na cama e grito:

- Claro que não, mãe! Eu não estou louca, tu é que deve estar.

- Vivian, ninguém aqui disse que tu vai para a clínica por estar louca, tu só precisas descansar um pouco e renovar tuas forças.

- Ah, mas não vou mesmo.

- Ah, mas tu vai sim! Tu perdeu o direito de te governar quando fez esta loucura de te isolar e não me pedir ajuda.

Cruzo os braços em sinal de protesto e faço beicinho, mesmo sabendo que não adiantaria de nada discutir com minha mãe, pois se existe alguém mais teimosa que eu, este alguém é ela.

Nos primeiros dia na tal clínica, banquei a criança teimosa. Recusava-me, sem sucesso, a tomar os remédios, não participava das atividades em grupo e sempre me atrasava para as refeições.

Com o passar dos dias fui ficando cansada de ficar no quarto, os remédios que me davam estavam proporcionando-me um ânimo novo. Numa tarde ensolarada, resolvi conhecer a parte externa da clínica e surpreendi-me com sua beleza; era realmente um hotel fazenda, com piscina, árvores frutíferas e uma belíssima estufa com flores exuberantes; aspirei o perfumes delas e absorvi suas energias. Ao fundo do jardim, avistei uma cabana, caminhei até lá e, ao entrar, pude ver que era bem maior por dentro do que aparentava ser por fora. Encontrei lá várias telas em branco e os mais diversos materiais de pintura. A sala estava vazia, parecia esperar alguém, parecia esperar-me.

Peguei um pincel, olhei em volta para ver se estava sendo observada, não vi ninguém. Escolhi algumas tintas, fechei os olhos, visualizei as flores da estufa que tinha acabado de ver, então abri os olhos e dei minha primeira pincelada. Fiquei surpresa por ver como eu tinha habilidade com o pincel. A cada pincelada, formas surgiam, imagens se concretizavam, saiam da minha mente, direto para a tela. Eu gostei daquela experiência, gostei mesmo, como há muito tempo eu não gostava de nada.

Estava tão imersa em meus pensamentos e naquela obra que surgia na tela que levei um susto ao ouvir palmas atrás de mim. Virei-me rápido e dei de cara com um belo rapaz. Fiquei constrangida, pelos aplausos e pela beleza do homem.

- Olá, Vivian! Vejo que já conheceu nosso estúdio.

Respondi, completamente envergonhada:

- Olá, sim. Desculpe a intromissão, eu não deveria estar aqui.

Tentei sair, mas ele me bloqueou.

- Não. Fique. É um prazer recebê-la aqui, e prazer maior ainda saber que é uma artista.

- Não, eu não sou. Na verdade, nunca tinha pegado um pincel na mão.

- Então temos uma revelação aqui. Por favor, fique. A aula já vai começar, em breve seus colegas estarão chegando.

Apesar de sentir-me muito envergonhada, eu fiquei, e começamos uma agradável conversa. Descobri que seu nome era Nicolas, e que era professor de artes plásticas nas horas vagas, mas psicólogo por profissão.

Já passaram-se três meses desde que minha mãe trouxe-me para a clínica. Hoje estou aqui porque quero e já não porque preciso. Em um mês, farei minha primeira exposição de pintura em tela, um dom que descobri graças a pessoas que não desistiram de mim, nem quando eu mesma já tinha desistido. Estou preparando meu discurso para o dia da inauguração da galeria que aluguei no centro da cidade e que vou expor junto com meus colegas da clínica.

Discurso:

Sejam todos bem vindos a galeria de exposição "Renascer"!

Gostaria de fazer uns breves agradecimentos: primeiro, à Violeta, minha mãe, pois me deu a vida, duas vezes.

Segundo, Nicolas, pois acreditou no meu talento, mas acima de tudo fez-me acreditar que era capaz.

Hoje percebo que não se chega a lugar algum sozinho. Somos egoístas, eu fui egoísta, e quase sucumbi. Mas Deus quis que eu tivesse uma segunda chance, e esta não vou desperdiçar por nada nesta vida. Hoje sou grata pela vida que tenho e pelos amigos e familiares que Ele colocou na minha vida. Acho que tenho uma missão. Infelizmente foi preciso ir ao fundo do poço para me dar conta o quanto a vida é bela, do quanto eu amo viver. E hoje eu celebro a vida, a minha e a de todos que vou ajudar, doando parte do lucro das obras aqui expostas para ONGs que amparam aqueles que, como eu, um dia quase deixaram-se entrar na escuridão, mas que perceberam a tempo que bem no finalzinho do túnel existe uma luz, e que vale muito a pena lutar para chegar até ela.

Muito obrigada!

Viviane Dutra

POSTAGEM POR: LARISSA

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